Por: Exame
Existe idade adequada para falar às crianças sobre educação financeira e apresentar regras sobre como gastar o próprio dinheiro? Esse papel cabe à escola ou à família? Um projeto de lei de iniciativa do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) propõe que esse tipo de conteúdo seja apresentado durante a educação básica.
O foco do projeto é combater a falta de conhecimento e o endividamento, fornecendo as ferramentas necessárias para que as gerações futuras não tomem decisões que as levem a sofrer as consequências do desequilíbrio da vida financeira. O texto está em tramitação no Senado e depende de aprovação dos parlamentares para ser encaminhado para a Câmara dos Deputados.
Na justificativa do texto, Izalci argumenta que a “educação financeira abrange conceitos básicos, como a importância de poupar, planejar e gerenciar o dinheiro de forma eficiente, além de ensinar sobre como tomar decisões financeiras inteligentes, como investir, fazer empréstimos e lidar com dívidas”.
“A inclusão da educação financeira como tema transversal nos currículos da educação básica é essencial para preparar os estudantes para uma vida adulta bem-sucedida e consciente financeiramente. Ao fornecer conhecimentos e habilidades financeiras desde cedo, estamos capacitando as futuras gerações a tomar decisões conscientes e informadas a respeito da administração de suas finanças”, pondera o senador no projeto.
Para Heitor de Araujo Martins, CEO da ArcoPlus, empresa focada em soluções educacionais para o ensino básico, o ensino de educação financeira é uma forma de quebrar o ciclo de endividamento que atualmente atinge 43% das famílias brasileiras. Na entrevista abaixo, ele fala sobre como abordar questões que envolvem o conceito de sucesso financeiro e defende que o tema da educação financeira seja apresentado às crianças a partir dos três anos de idade.
Esfera Brasil: Qual é a importância de levar o ensino de educação financeira à escola?
Heitor de Araujo Martins: Educação financeira na escola é importante para assegurar que as crianças e jovens aprendam a lidar com o dinheiro de uma forma saudável. Sem a escola, a educação financeira acaba ficando a cargo da família. Porém, hoje, mais de 43% da população brasileira está endividada [Mapa da Inadimplência do Serasa, dezembro de 2023]. A maioria dessas famílias também não teve acesso à educação financeira. É preciso que essas crianças e jovens adquiram esse conhecimento para quebrar o ciclo de endividamento e até mesmo ajudar seus familiares, propagando esse aprendizado.
A partir de qual idade seria considerado adequado levar essas informações a crianças?
A educação financeira pode começar bem cedo, a partir de três ou quatro anos. O importante é manter a complexidade e a profundidade dos temas adequados para a faixa etária. Com três anos, por exemplo, a criança já pode aprender que precisamos de dinheiro para comprar coisas, ou que as notas e cartões são os meios para isso. À medida que essa criança cresce, podemos introduzir aos poucos conceitos de orçamento, poupança e também o comportamento financeiro, por exemplo, ensinando a diferença entre desejo e necessidade.
Há experiências dessa natureza em outros países que podem servir como exemplo?
Sim, muitos países têm iniciativas institucionais para a educação financeira. Em 2008, a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento] criou a Rede Internacional de Educação Financeira, com o intuito de compartilhar experiências e boas práticas entre os países, além de definir, implementar e avaliar padrões, coletar dados, desenvolver pesquisas, realizar eventos, entre outras ações.
Como abordar questões profundas, como consumo compulsivo e endividamento, com crianças?
No contexto da educação financeira, a adaptação dos temas para cada faixa etária é fundamental. Para falar com crianças, temos que simplificar o vocabulário, evitar os jargões técnicos e aumentar a complexidade e a profundidade dos temas de acordo com a idade. No Gênio das Finanças [solução da ArcoPlus para educação financeira nas escolas], por exemplo, o consumismo aparece em vários momentos, sempre com uma abordagem diferente: no 1º ano, apresentamos uma história em quadrinhos na qual o personagem infantil vê a propaganda de um brinquedo e pede de presente para os pais, que conversam com ele sobre a diferença entre querer e precisar; no 6º ano, falamos do impacto ambiental do uso excessivo de itens como copos de plástico e aparelhos eletrônicos, presentes no cotidiano da turma; no 8º ano, já abordamos os vieses cognitivos que nos levam ao consumo, como o efeito manada, ao qual os adolescentes são bastante suscetíveis. Dessa forma, o estudante consegue se identificar com os temas, o que aumenta o engajamento nas atividades e a compreensão do tema.
Quais são os principais aliados nesse caminho de levar esse tipo de conhecimento aos alunos? A utilização de novas tecnologias é recomendável?
Com certeza a utilização de tecnologias é recomendável, mas está longe de ser o único caminho. A família deve ser mobilizada para que a criança tenha acesso à rotina financeira da casa, sempre respeitando a faixa etária. Com 11 ou 12 anos, por exemplo, ela já pode conhecer as contas de consumo e entender as prioridades e a situação financeira da família.
No contexto escolar, o desenvolvimento de projetos que envolvam a gestão de recursos, como feiras do empreendedorismo ou a criação e venda de produtos, é bem interessante. Em relação às tecnologias, é possível mobilizar aplicativos e softwares de fácil acesso para o controle das finanças, como as planilhas, cuja utilização está prevista inclusive na BNCC [Base Nacional Comum Curricular]. Também é desejável usar recursos didáticos que tenham apelo com esse público, como as narrativas, jogos e desenhos. O mais importante aqui não é a ferramenta utilizada, mas sim a intencionalidade pedagógica por trás dessa escolha.
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